Quando entro na
minha biblioteca oiço muitas vezes vozes em tom baixo, quase em surdina, de
conversas animadas e de discussões acaloradas. Provêm de uma estante, estante
reservada, onde estão os autores que conheci em vida e me autografaram os
livros, os autores que se apressaram a nascer e já não pude conhecer pessoalmente
ou os autores que trabalham e vivem em locais a que nunca fui ou provavelmente
nunca irei. Todos eles, sem excepção, fazem também parte da minha família,
moram na mesma casa, vivem comigo. São a minha família espiritual que, nestes
dias de apagada e vil tristeza, falam e conversam diariamente comigo, com um
forte e amigo abraço, discutindo os temas do seu tempo, do nosso tempo, de
todos os tempos.
Saiu-me há pouco
de essa estante reservada um livro a esbracejar, para que lhe pegasse na mão e
o lesse de novo. É a Pátria exausta,
de António Manuel Couto Viana, que tem um notável prefácio do poeta e amigo
Eduíno de Jesus e versos que sabíamos de cor e poemas que cantávamos na nossa
juventude. Vejo ao lado o Autor, com um sorriso franco e aberto a
escorregar-lhe pelo rosto, guloso de uma boa conversa e de ser o primeiro a
entrar nesta tertúlia invisível.
Com ele partilhei momentos
inesquecíveis de conversas que não
esquecem, recebi lições que só os melhores mestres sabem dar, guardei memórias
que ficam para sempre. Em Coimbra, em
Lisboa, no Porto, um pouco por todo o país real, como dizem agora os
republicanos, desde Tabuaço, Armamar, Paredes – aqui, para falarmos de outro
poeta e tertúlio quase esquecido, Monsenhor Moreira das Neves -, lembrando
também as cidades que calaram bem fundo no nosso coração, como essa longínqua
Macau, no Oriente do Oriente, como
lhe chamou o Poeta, era sempre a sua voz que então ouvia, é a sua voz que ainda
escuto.
E quando Viana do
Castelo, a sua cidade, lhe presta, uma vez mais, com uma nobreza que tanto a
engrandece, uma renovada homenagem, a que se juntam em romagem de saudade, de
admiração e de agradecimento profundo e sincero tantos dos seus velhos amigos e
discípulos, quero também dizer que a nossa amizade envelhece, mas não esquece,
pois quanto mais envelhece, mais amadurece e, ao contrário do que dizia o
Poeta, sai ainda hoje uma lágrima e, de todos nós, uma prece.
Bem vindo, à blogosfera sob a "boa estrela" do António Manuel Couto Viana e, logo, com um pequeno grande texto, como seria de esperar!
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