quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O REGRESSO DE UM VELHO AMIGO

     Regresso, alvoroçado, ao encontro de um velho amigo. Um amigo que conheci na minha juventude e com quem partilhei tantas e tão boas conversas que, muitas vezes, se prolongavam pela noite fora. Um amigo que agora me acena de esta estante reservada e me pede o abrace de novo. Chama-se Giovanni Papini e traz hoje na mão, para que eu as leia, as Cartas aos Homens do Papa Celestino VI.

     Por que não vem o leitor ter comigo? Faça o favor de entrar na minha biblioteca. Escolha uma cadeira e acomode-se à sua vontade. Não sei se quer tomar alguma coisa. Talvez um cálice de vinho fino, enquanto esperamos pela leitura das cartas. Não? Como queira. Faça na mesma de conta que está em sua casa.

     Logo no prefácio, situa o escritor italiano a obra que temos entre mãos.

     Celestino VI viveu numa terrível idade de procelas e de sangue, muito semelhante àquela em que vivemos, quando parecia que Satanás, “o príncipe deste mundo”, fazia o derradeiro esforço para precipitar o género humano no desespero homicida e na destruição de tudo o que rege e gera a vida. Parecia, então como hoje, que os homens, sacudidos e perturbados por terríveis furores de tétrica demência, tinham esquecido ou renegado todo o sentido de justiça, todo o impulso de amor. Mas Celestino não se calou, nem se deixou vencer pelas tentações daquela cobardia que demasiadas vezes se mascara com o honesto nome de prudência. Falou abertamente. Falou a todos e não apenas a quem o reconhecia como Vigário de Cristo. Lançou as palavras do seu grande coração como raios de luz no coração de todos.

     Giovanni Papini assumiu sempre as suas convicções, não tomando atitudes dúbias ou ficando indiferente ao que se passava à sua volta e que, com saber e argúcia, criticava com a sua pena de escritor de futuro, de escritor profeta. Tinha a mesma visão dos indiferentes, dos dúbios, dos cobardes, dos que nunca tomam partido, que tinha Dante que os colocara a todos, com desprezo infinito, na antecâmara do Inferno – a acolhê-los o Inferno não se atreve, (III, 41) -, porque nem sequer merecem as chamas do fogo eterno. Mas há, em Papini, na sua voz solene e por vezes dura, um grande amor pelo ser humano, uma paixão pelo homem concreto e real, que ele vê e conhece, que sente e que sofre, que ama e trabalha.

     Mais conhecido, entre nós, por obras como Gog, História de Cristo, Um homem liquidado são estas Cartas aos Homens do Papa Celestino VI hoje de flagrante actualidade. E reflectem uma faceta que nem sempre é devidamente valorizada : a de G. Papini como intelectual católico. Numa recente edição, em língua francesa, da famosa História de Cristo ( Éditions de Fallois/ L’Âge d’Homme, 2010), o professor da Sorbonne François Livi, que faz, aliás, uma excelente análise da génese de este livro, diz-nos que o escritor italiano não é um escritor assumidamente católico. Não posso concordar com esta afirmação. Estas Cartas… , para além de outras obras, provam precisamente o contrário.

     Nos seus vários capítulos – Ao povo que se chama cristão; Aos padres; Aos monges e aos frades; Aos teólogos; Aos ricos; Aos pobres; Aos condutores dos povos; Aos cidadãos e aos súbditos; Às mulheres; Aos poetas; Aos historiadores; Aos homens de ciência; Aos cristãos separados; Aos judeus; Aos sem Cristo; Aos sem Deus; A todos os homens – transparece sempre uma fé inquebrantável, servida por uma pena vigorosa, que ora lembra as epístolas paulinas, ora se adoça em poesia, no rasto do florentino Dante, que foi poeta e foi teólogo.

     Não é possível lermos aqui todos os capítulos e é natural que a cada um agrade mais este do que aquele, que achemos, inclusive, mais actual ou melhor conseguida a carta que, de certo modo,  se dirige também a nós, pela nossa profissão ou a nossa sensibilidade. Mas temos de reconhecer, com toda a honestidade, depois de lermos – ou rezarmos – o último capítulo – Oração a Deus – que é um livro que não esquece, que é um livro que fica, que é um livro que marca.

     Este Celestino VI, criado pela ficção papiniana, lembra inevitavelmente o actual sábio e santo Pontífice que Deus, para proveito e edificação de todos, conserve e guarde por muitos e bons anos. E reconfortados agora na alma e saciado o espírito pela boa e sólida leitura, é talvez o momento do prometido cálice de vinho fino – a melhor bebida do Mundo -, para sossego e descanso de todos nós.


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