A viagem é sempre
uma descoberta e a descoberta implica sempre uma viagem. Viagem iniciática,
reservada apenas a alguns, poucos e escolhidos, sejam pessoas ou nações que
percebem e se apercebem das verdadeiras razões da descoberta e por isso estão
para além do que os sentidos comuns vêem ou a razão humana entende. Há sempre
algo de misterioso e de sagrado na descoberta, no descobrimento de novas
terras, novas gentes e, mais do que isso, novas estrelas e céus, que é como
quem diz, novos tempos e espaços.
O Infante D.
Henrique, Mestre da Ordem de Cristo, herdeira da Ordem dos Templários, o
manuelino e toda a sua riquíssima simbologia, a Nau e o Graal, de que nos fala
Dalila Pereira da Costa, ou a descoberta do caminho, do verdadeiro e único
caminho marítimo para a Índia, dos irmãos Gama ( Vasco e Paulo) ligados à Ordem
de Santiago, e cuja frota, a frota dos
arcanjos, deixa o Tejo a 8 de Julho de 1497, tudo tem profundo carácter
simbólico.
Vejamos apenas o
simbolismo da descoberta do caminho marítimo para a Índia, ambição suprema do
monarca português. Vasco comanda a nau S. Gabriel, Paulo da Gama, a S. Rafael,
Nicolau Coelho, a Bérrio, talvez uma caravela, e Gonçalo Nunes, um navio de
víveres que devia ser queimado no decorrer da viagem. A frota era assim constituída por três
arcanjos: S. Rafael, S. Gabriel e Bérrio, o arcanjo inominado, pois a palavra
bérrio, entretanto caída em desuso, significava então arcanjo.
O arcanjo Gabriel,
cujo nome significa “fortaleza de Deus”, é o guardião do tesouro celeste, o
Anjo da Redenção e o supremo mensageiro de Deus. É o Anjo da Anunciação e do
Nascimento, pois anunciou à Virgem que seria a Mãe do Salvador. Deu o nome à
nau que anunciaria a descoberta do novo caminho que daria origem também a uma
nova era: a era pós-gâmica, como lhe chamou o historiador britânico Arnold Toynbee.
O arcanjo Rafael,
cujo nome significa “remédio de Deus”, é o chefe dos anjos custódios e o anjo
custódio – isto é, o anjo da guarda – de toda a humanidade. Está
iconograficamente associado a Tobias, a quem devolve a vista, e assume muitas
vezes a imagem de um peregrino com o bordão e a vieira características. É ele
que abre os olhos aos navegadores portugueses, ensina o caminho e os acompanha
na viagem peregrinação, viagem simbólica que lança a ponte entre o mundo que
ora acaba e outro que aos poucos já desperta. Misto de cavaleiro medieval e de
homem moderno que satisfez a grande aspiração de El-Rei D. Manuel I.
Mais de cinco
séculos depois há agora outras índias à nossa espera. E eu vou também,
embarcado nas largas asas dos arcanjos à procura da alma portuguesa que está
hoje de novo pelo mundo em pedaços repartida. E entro, à sombra dos arcanjos,
nas ondas de este mar, tumultuoso e traiçoeiro, que os velhos do Restelo, que
são agora garotos e fedelhos, não querem que seja, como outrora, nosso e
português. Definitivamente, não fico, comodamente na praia a ver os outros
partir. Mas singro neste mar, sempre pelas mãos protectoras dos arcanjos, neste
mar alteroso, de vagas fortes e carnívoras, que tudo comem e levam; neste mar
que é também um mar interior, feito de trabalhos sem fim e de sacrifícios sem
conta, olhos postos no gajeiro que lá do alto perscruta o vasto horizonte que a
sua experimentada vista alcança, com o coração desejoso e alvoraçado de poder
gritar de vez a todos nós: Cabo da Boa Esperança!
É neste mar que eu
navego; é nestes barcos que eu vou.
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