sábado, 6 de julho de 2013

As Novas Índias


               

 


     A viagem é sempre uma descoberta e a descoberta implica sempre uma viagem. Viagem iniciática, reservada apenas a alguns, poucos e escolhidos, sejam pessoas ou nações que percebem e se apercebem das verdadeiras razões da descoberta e por isso estão para além do que os sentidos comuns vêem ou a razão humana entende. Há sempre algo de misterioso e de sagrado na descoberta, no descobrimento de novas terras, novas gentes e, mais do que isso, novas estrelas e céus, que é como quem diz, novos tempos e espaços.

     O Infante D. Henrique, Mestre da Ordem de Cristo, herdeira da Ordem dos Templários, o manuelino e toda a sua riquíssima simbologia, a Nau e o Graal, de que nos fala Dalila Pereira da Costa, ou a descoberta do caminho, do verdadeiro e único caminho marítimo para a Índia, dos irmãos Gama ( Vasco e Paulo) ligados à Ordem de Santiago, e cuja frota, a frota dos arcanjos, deixa o Tejo a 8 de Julho de 1497, tudo tem profundo carácter simbólico.

     Vejamos apenas o simbolismo da descoberta do caminho marítimo para a Índia, ambição suprema do monarca português. Vasco comanda a nau S. Gabriel, Paulo da Gama, a S. Rafael, Nicolau Coelho, a Bérrio, talvez uma caravela, e Gonçalo Nunes, um navio de víveres que devia ser queimado no decorrer da viagem.  A frota era assim constituída por três arcanjos: S. Rafael, S. Gabriel e Bérrio, o arcanjo inominado, pois a palavra bérrio, entretanto caída em desuso, significava então arcanjo.

     O arcanjo Gabriel, cujo nome significa “fortaleza de Deus”, é o guardião do tesouro celeste, o Anjo da Redenção e o supremo mensageiro de Deus. É o Anjo da Anunciação e do Nascimento, pois anunciou à Virgem que seria a Mãe do Salvador. Deu o nome à nau que anunciaria a descoberta do novo caminho que daria origem também a uma nova era: a era pós-gâmica, como lhe chamou o historiador britânico Arnold Toynbee.

     O arcanjo Rafael, cujo nome significa “remédio de Deus”, é o chefe dos anjos custódios e o anjo custódio – isto é, o anjo da guarda – de toda a humanidade. Está iconograficamente associado a Tobias, a quem devolve a vista, e assume muitas vezes a imagem de um peregrino com o bordão e a vieira características. É ele que abre os olhos aos navegadores portugueses, ensina o caminho e os acompanha na viagem peregrinação, viagem simbólica que lança a ponte entre o mundo que ora acaba e outro que aos poucos já desperta. Misto de cavaleiro medieval e de homem moderno que satisfez a grande aspiração de El-Rei D. Manuel I.

     Mais de cinco séculos depois há agora outras índias à nossa espera. E eu vou também, embarcado nas largas asas dos arcanjos à procura da alma portuguesa que está hoje de novo pelo mundo em pedaços repartida. E entro, à sombra dos arcanjos, nas ondas de este mar, tumultuoso e traiçoeiro, que os velhos do Restelo, que são agora garotos e fedelhos, não querem que seja, como outrora, nosso e português. Definitivamente, não fico, comodamente na praia a ver os outros partir. Mas singro neste mar, sempre pelas mãos protectoras dos arcanjos, neste mar alteroso, de vagas fortes e carnívoras, que tudo comem e levam; neste mar que é também um mar interior, feito de trabalhos sem fim e de sacrifícios sem conta, olhos postos no gajeiro que lá do alto perscruta o vasto horizonte que a sua experimentada vista alcança, com o coração desejoso e alvoraçado de poder gritar de vez a todos nós: Cabo da Boa Esperança!

     É neste mar que eu navego; é nestes barcos que eu vou.
 
 

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