No final dos anos
cinquenta do século passado foi publicado em França um livro de Maurice Rheims
sobre o coleccionismo que rapidamente se tornou famoso. Intitulava-se A
estranha vida dos objectos e ia ao encontro do gosto de coleccionar, do
bichinho de guardar peças de memorabilia ou simples recordações de viagens que,
quase como uma doença, entrou nas melhores famílias e passou, com naturalidade,
a fazer parte da vida de quase todos nós, transformando as nossas casas em
álbuns de recordações.
Também a minha
casa é um álbum. Espalhadas por móveis e paredes há recordações de viagens e de
amigos, de velhos parentes que quase não conheci e de figuras históricas que do
passado vieram ter comigo para assim penetrar alegres nos umbrais do futuro.
Fazemo-nos boa companhia. E ora falo com uns, ora converso com outros, como se
os visitasse na sua própria casa e não na minha. Têm todos o seu cantinho, o
seu espaço próprio, a sua zona residencial. Quando lá chego, não bato à porta
nem peço licença para entrar, mas sinto-me como se vivesse noutro lugar e
noutro tempo: sinto mesmo no ar um microclima, carregado de sentimentos e de
profundas emoções.
A minha casa é um
álbum. Viro a esquina do corredor como quem desfolha páginas, pois cada parede
traz consigo miríades de imagens que se escondem por detrás de uma fotografia,
de um relógio, de um prato, de uma gravura antiga. E em cima de cada móvel há
objectos que contam histórias sem cessar, lembram rostos que não esquecem,
paisagens deslumbrantes, viagens sem ter fim.
A minha casa é
como um álbum vitoriano. Tenho necessidade de povoar todo o meu espaço de
objectos que me digam alguma coisa, que embora inertes tenham vida, que tragam
dentro de si alguma história e passem serões de inverno ou tardes cálidas de
verão a falar para mim, a fazer-me companhia. Quando olho para todos eles,
espalhados quase ao acaso por móveis e recantos, lembro-me de pessoas e de
locais, vêm-me à memória dias precisos e horas certas, como se tivesse sido há
pouco, momentos antes de entrar em casa. É que a nossa vida é um mosaico, feito
de pedaços que só nós próprios sabemos encaixar.
A minha casa é um
álbum. Precioso álbum que só eu conheço e de que sei o significado. Precioso
álbum que guardo a todo o custo, como criança adulta que não quer perder tantos
sonhos passados e futuros. Mas mais do que dormir com ele, bem agarrado,
debaixo dos lençóis, para que ninguém mo tire, vivo com ele e dentro dele.
Tanto faço parte dele como ele faz parte de mim. A minha casa é um álbum.